Como saber se tenho um vício em pornografia?

O vício em pornografia é um tema raramente abordado com a clareza e responsabilidade que exige. Por trás da tela, muita gente convive com a sensação de estar perdendo o controle sobre um hábito que começou como curiosidade, virou rotina, e, aos poucos, começou a provocar culpa, prejuízos emocionais e afastamento dos próprios desejos reais. …

Vício em pornografia: como tratar

O vício em pornografia é um tema raramente abordado com a clareza e responsabilidade que exige. Por trás da tela, muita gente convive com a sensação de estar perdendo o controle sobre um hábito que começou como curiosidade, virou rotina, e, aos poucos, começou a provocar culpa, prejuízos emocionais e afastamento dos próprios desejos reais.

Diferente do que muitos imaginam, esse não é um problema restrito a um perfil específico, nem uma questão de “falta de força de vontade”. O vício em pornografia envolve mecanismos neurológicos, comportamentais e emocionais complexos. Está relacionado à forma como o cérebro reage à recompensa imediata, mas também à maneira como lidamos com solidão, ansiedade, estresse e baixa autoestima.

Neste texto, quero falar um pouco sobre tudo isso. Você vai entender o que caracteriza o vício, quais são os sinais de alerta, por que ele acontece, quais os impactos na saúde mental e sexualidade, e, principalmente, como é possível buscar ajuda sem culpa, sem medo e com o apoio profissional que esse tipo de sofrimento merece.

O que é o vício em pornografia e por que se tornou um problema tão latente nos últimos anos?

Embora o uso problemático de pornografia esteja cada vez mais presente nos consultórios de saúde mental, o termo “vício em pornografia” ainda provoca resistência em parte da comunidade médica.

O principal motivo é a ausência desse diagnóstico nos manuais mais usados na psiquiatria, como o DSM-5. Ainda assim, as evidências científicas sobre os impactos do consumo compulsivo — e o sofrimento de quem vive esse ciclo — têm mudado a forma como o tema é abordado na nossa prática clínica.

Hoje, já reconhecemos que o problema vai além da frequência de uso. O que importa, de fato, são os prejuízos causados à vida do paciente — emocionais, relacionais, profissionais, sexuais.

E é a partir desses impactos que começamos a entender o que está por trás desse problema.

As diferenças entre vício, compulsão e uso problemático

O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) não reconhece oficialmente o “vício em pornografia” nem o “vício sexual” como diagnósticos formais.

Já a CID-11, da Organização Mundial da Saúde, inclui o Transtorno de Comportamento Sexual Compulsivo (CSBD), que pode envolver o uso descontrolado de pornografia, classificado como um transtorno do controle de impulsos.

Isso significa que, mesmo sem o rótulo de “adição”, há um reconhecimento de que certos comportamentos sexuais, incluindo o consumo excessivo de pornografia, podem se tornar compulsivos, difíceis de interromper e causadores de sofrimento significativo por pelo menos seis meses consecutivos.

Mas aqui, precisamos fazer algumas distinções:

Uso frequente não é o mesmo que vício

Algumas pessoas veem pornografia regularmente, mas conseguem pausar quando querem, não sentem culpa nem prejuízo. Já o uso problemático acontece quando a pessoa:

  • sente desconforto com a própria rotina de consumo;
  • tenta reduzir ou parar sem sucesso;
  • começa a negligenciar tarefas ou relações;
  • e ainda não reconhece o comportamento como compulsivo.

É um sinal de alerta, e, muitas vezes, o estágio anterior ao vício.

Compulsão envolve a sensação de agir no piloto automático, mesmo contra a própria vontade

No caso da pornografia, isso se traduz em:

  • Uso automático, sem desejo consciente;
  • Sensação de “entrar no modo piloto”;
  • Arrependimento imediato após o uso;
  • Repetições sucessivas ao longo do dia.

O que caracteriza o vício em pornografia?

O que define o vício em pornografia não é apenas a frequência do consumo, mas o formato da relação que se estabelece com ele, uma relação marcada pela perda de liberdade, pela culpa recorrente e pelos prejuízos emocionais, sociais e sexuais.

Alguns sinais típicos do quadro são:

  • Perda de controle: a pessoa tenta parar, mas não consegue manter o limite que estipulou para si mesma.
  • Escalada de conteúdo: há uma busca constante por vídeos mais longos, cenas mais explícitas ou gêneros que antes não despertavam interesse.
  • Tempo excessivo investido: assistir, buscar novos vídeos, apagar rastros, lidar com a culpa — tudo isso passa a ocupar horas do dia.
  • Comprometimento funcional: atrasos, distrações, queda de desempenho no trabalho ou nos estudos. Para alguns, isso evolui até em perda de oportunidades ou isolamento profissional.
  • Negligência de vínculos reais: a pornografia começa a substituir conexões afetivas e sexuais reais, muitas vezes com desconexão emocional no casal.
  • Desgaste emocional: vergonha, sensação de “não ter conserto”, medo de ser descoberto, tristeza pós-consumo.
  • Síndrome de abstinência: ao tentar parar, surgem irritabilidade, ansiedade, insônia, inquietação física, e um impulso urgente de retornar ao padrão de uso.

Essas manifestações não surgem de um dia para o outro. Em muitos casos, o que começa como um hábito aparentemente inofensivo vai se intensificando, silenciosamente, até que a pessoa se vê sem saída, preso em um ciclo que compromete sua qualidade de vida e sua saúde mental.

Quem sofre mais com o vício em pornô hoje?

O acesso à pornografia nunca foi tão amplo, imediato e silencioso quanto é hoje. Isso tornou o consumo uma prática cotidiana para milhões de pessoas, mas também aumentou o risco de que esse hábito escape do controle.

O que mostram os dados mais recentes é que o vício em pornografia pode afetar qualquer pessoa, embora alguns grupos sejam mais vulneráveis que outros.

É entendendo esse perfil que percebemos que o problema é extremamente comum, e muitas vezes escondido atrás da vergonha e da negação.

Quem consome e quem desenvolve dependência

A pornografia é mais amplamente consumida entre os homens. Mais de 90% dos homens adultos veem conteúdo pornográfico com alguma frequência. Entre as mulheres, o número é menor, mas significativo: cerca de 30% a 60% consomem com alguma regularidade, dependendo do grupo etário e da região pesquisada:

  • Cerca de 7% dos usuários adultos de internet nos Estados Unidos se identificam como viciados.
  • No recorte por gênero, 11% dos homens e 3% das mulheres afirmam não conseguir controlar o uso.
  • Entre os jovens de 13 a 24 anos, mais de 60% buscam pornografia semanalmente.
  • Já a prevalência global de uso problemático é estimada entre 3% e 6% da população adulta.

Os principais fatores de risco para desenvolver o vício incluem:

  • Idade: quanto mais jovem a exposição, maior o risco de escalonamento e dependência.
  • Gênero: homens ainda são a maioria entre os casos clínicos, mas o número de mulheres em busca de tratamento vem crescendo.
  • Vulnerabilidade emocional: pessoas com ansiedade, depressão, trauma ou histórico de abuso têm risco aumentado.
  • Estilo de enfrentamento emocional: o uso da pornografia como forma de escapar de estresse, solidão ou frustração emocional reforça o padrão compulsivo.
  • Facilidade de acesso: o uso individual de celulares, o modo anônimo de navegação e a ausência de limites externos favorecem o hábito oculto e descontrolado.

Além disso, os impactos sociais da pandemia de COVID-19 aceleraram esse cenário. Muitos adultos e adolescentes passaram a usar pornografia como uma forma de lidar com o tédio, o isolamento e a incerteza emocional.

O reflexo disso foi visto nos atendimentos clínicos: a procura por tratamento para vício em pornografia aumentou mais de 250% no Reino Unido entre 2020 e 2021.

A pornografia começa cada vez mais cedo

A idade de início do consumo tem um peso importante no desenvolvimento do vício. Atualmente, a média de idade da primeira exposição à pornografia caiu para entre 11 e 14 anos, sendo que, em muitos casos, esse contato ocorre sem qualquer preparo emocional ou orientação adulta.

Essa exposição precoce tem algumas consequências clínicas importantes:

  • O cérebro ainda está em formação: durante a infância e adolescência, o sistema de recompensa cerebral é mais sensível e mais propenso à criação de padrões compulsivos. O estímulo hipererótico da pornografia interfere diretamente nessa construção.
  • Educação sexual distorcida: para muitos adolescentes, a pornografia se torna a principal (ou única) fonte de aprendizado sobre sexo, o que leva à formação de expectativas irreais, medo da intimidade real, dificuldade de comunicação com o parceiro e, em alguns casos, até evitação do sexo na vida adulta.
  • Associação precoce entre prazer e isolamento: consumir pornografia escondido, sozinho e com culpa instala, desde cedo, a ideia de que prazer sexual precisa ser um segredo, o que favorece o uso compulsivo como fuga emocional.

Além disso, há um fenômeno preocupante nos relatos de adolescentes: muitos já se sentem viciados antes dos 18 anos, mas não sabem com quem conversar. Isso acende um alerta ainda maior para os pais preocupados.

Alguns escondem o problema até a idade adulta. Outros tentam “parar sozinhos” e entram em ciclos de abstinência, recaída e culpa, sem o suporte necessário.

O impacto dessa exposição precoce é especialmente forte no contexto digital atual, onde quase tudo é acessível em poucos cliques, sem filtro ou barreira. Redes sociais, memes sexualizados, deepfakes e plataformas como OnlyFans contribuem para uma normalização do consumo excessivo que impede a percepção de que algo está errado.

Por isso, incluir esse tema na escuta clínica é essencial, especialmente quando o paciente é jovem, tem dificuldades com autoestima, ou apresenta sintomas de ansiedade, depressão ou disfunções sexuais sem causa aparente.

Os maiores grupos de risco para o vício em pornografia

Por que é tão difícil parar? Entenda os mecanismos por trás do vício em pornografia

Quem tenta interromper o consumo compulsivo de pornografia, muitas vezes, se depara com um desafio que parece maior do que o esperado. Mesmo quando há consciência de que o hábito está causando prejuízos — no humor, no desempenho sexual, nas relações — parar não é simples.

Isso acontece porque o cérebro já entrou em um ciclo que envolve neuroquímica, emoções mal reguladas e rotinas cristalizadas

Estímulo cerebral e o circuito da recompensa

O vício em pornografia atua diretamente no sistema de recompensa do cérebro, da mesma forma que acontece em outras formas de dependência, como o uso de drogas ou jogos de azar.

A cada exposição a um vídeo, cena ou novidade sexual, ocorre uma liberação intensa de dopamina, o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e motivação.

No início, esse estímulo é suficiente para provocar excitação. Mas com o tempo, o cérebro se adapta. É o que nós chamamos de tolerância neuroquímica:

  • O mesmo tipo de conteúdo passa a gerar menos prazer;
  • É necessário buscar vídeos mais intensos, variados ou extremos para sentir a mesma excitação;
  • Esse processo é acompanhado por dessensibilização ao prazer natural, ou seja, o que antes dava prazer (sexo com o parceiro, atividades do dia a dia) começa a parecer menos estimulante.

Estudos de neuroimagem já mostraram que usuários compulsivos de pornografia apresentam:

  • Maior ativação em áreas cerebrais como o núcleo caudado e o estriado ventral (relacionadas ao craving);
  • Menor conectividade entre o córtex pré-frontal (responsável pelo autocontrole) e as áreas de impulso;
  • Alterações na massa cinzenta do cérebro, semelhantes às observadas em dependentes químicos.

Além da dopamina, outros neurotransmissores também entram em jogo, como a serotonina (associada ao humor) e a norepinefrina (ligada ao alerta). A combinação desses elementos cria um padrão de ativação intensa seguido de vazio emocional, que reforça a vontade de buscar mais estímulo, perpetuando o ciclo.

Fatores emocionais e ambientais que alimentam a compulsão

O aspecto neurobiológico é uma parte da equação, mas o que sustenta o vício em pornografia, na maioria dos casos, é a sua função emocional e comportamental.

Para muitas pessoas, assistir pornografia não é apenas sobre prazer sexual. É uma forma de:

  • Aliviar o estresse do dia;
  • Anestesiar sentimentos de ansiedade, raiva ou solidão;
  • Escapar temporariamente de conflitos familiares, frustrações ou baixa autoestima.

Esse uso como estratégia de enfrentamento emocional é o que torna o comportamento tão resistente, porque, ainda que traga culpa e arrependimento depois, ele oferece um alívio imediato que o cérebro aprende a buscar sempre que o desconforto aparece.

Além disso, o contexto social e digital facilita e reforça esse padrão:

  • A pornografia está acessível 24h por dia, em qualquer lugar, por qualquer dispositivo;
  • O modo anônimo de navegação dá a falsa sensação de controle;
  • Redes sociais, memes sexualizados e plataformas como OnlyFans criam um ambiente de estímulo constante;
  • O tabu e o julgamento dificultam o pedido de ajuda, o que prolonga o sofrimento em silêncio.

Há ainda fatores específicos que aumentam a vulnerabilidade ao vício:

  • Histórico de abuso sexual ou físico;
  • Conflitos com a própria sexualidade ou corpo;
  • Crenças religiosas rígidas, que ampliam a culpa moral após o uso;
  • Transtornos pré-existentes, como TDAH, depressão ou ansiedade.

Juntos, esses fatores criam um cenário no qual a pornografia deixa de ser apenas um conteúdo e passa a funcionar como uma válvula de escape. O problema é que, em vez de resolver as dores emocionais com um psiquiatra, ela amplifica a desconexão com a realidade e com o próprio corpo.

 

Os impactos do vício em pornografia na vida real

Um dos aspectos mais difíceis do vício em pornografia é a forma silenciosa com que ele afeta a vida do paciente. Para quem está de fora, pode parecer um hábito inofensivo, escondido atrás da tela. Mas no consultório, o que aparece são histórias de desconexão emocional, dificuldade de concentração, crises no relacionamento e uma sensação crescente de fracasso e esgotamento.

Consequências emocionais e mentais

O uso compulsivo de pornografia tende a alterar o funcionamento psíquico de maneira profunda. Um dos primeiros sintomas é a dessensibilização emocional: estímulos que antes geravam prazer, como sair com amigos, ouvir música ou estar com alguém querido, passam a parecer menos interessantes para a pessoa. O cérebro, hiperestimulado, responde cada vez menos ao mundo fora da tela.

Além disso, muitos pacientes relatam um sentimento constante de apatia e vazio. O prazer que a pornografia oferece é imediato, mas efêmero. O alívio dura pouco. Logo em seguida, surge a culpa, o desconforto e, em muitos casos, a vontade de consumir novamente para abafar essas emoções. É assim que o ciclo se reforça.

Esse padrão está diretamente associado a:

  • Aumento da ansiedade, especialmente em momentos de abstinência;
  • Sintomas depressivos, como desânimo, dificuldade de concentração e desesperança;
  • Baixa autoestima e percepção negativa de si mesmo (“sou fraco”, “não tenho controle”).

Em casos mais graves, esse ciclo pode se tornar um agravante de transtornos psiquiátricos preexistentes, como o transtorno depressivo maior, o transtorno obsessivo-compulsivo e quadros ansiosos com componente de evitação social.

Efeitos na sexualidade e função erétil

A pornografia, por natureza, apresenta um modelo de sexualidade hiperestimulante e pouco realista. Com o tempo, o cérebro se acostuma a essa forma de excitação e passa a ter dificuldade de responder a estímulos mais sutis, naturais e afetivos.

A pessoa viciada pode acabar apresentando:

  • Disfunção erétil induzida por pornografia (PIED): dificuldade de manter ereção com um parceiro real, mesmo sem causas orgânicas aparentes;
  • Redução da libido em relações reais: o desejo sexual se condiciona exclusivamente ao estímulo visual extremo;
  • Ejaculação retardada ou anorgasmia: dificuldade de atingir o orgasmo fora do contexto da pornografia;
  • Comparações frequentes com os corpos e roteiros vistos nos vídeos, gerando frustração com o próprio desempenho e com o do(a) parceiro(a).

Muitos pacientes relatam que não conseguem mais se excitar com uma única pessoa real, já que o cérebro se acostumou à variedade infinita e fragmentada da pornografia. Outros evitam o sexo a dois por medo de falhar, criando uma distância progressiva no relacionamento afetivo.

Nesses casos, é comum que o paciente procure primeiro um médico urologista, especialmente quando os sintomas se manifestam como disfunção erétil ou perda de sensibilidade.

E esse é, de fato, um passo importante: avaliar causas orgânicas, descartar condições clínicas e entender o que pode ser de origem psicológica. O acompanhamento conjunto entre psiquiatra e urologista permite abordar o problema com mais precisão e cuidado, principalmente quando a vida sexual já está comprometida.

Relações afetivas afetadas e o isolamento social

Um dos efeitos mais silenciosos e dolorosos do vício em pornografia é o afastamento das relações reais. Muitas vezes, o consumo é mantido em segredo, gerando sentimentos de culpa e vergonha que impedem o diálogo com o parceiro ou com a família.

Em relacionamentos amorosos, frequentemente vejo isso acontecendo com:

  • Distância emocional;
  • Evitação do contato íntimo ou sexual;
  • Desconfiança e insegurança no parceiro, que não entende por que foi “substituído” por vídeos;
  • Rupturas afetivas marcadas por mágoa, sensação de rejeição e quebra de confiança.

Mesmo fora do ambiente amoroso, o vício tende a isolar a pessoa. O tempo sozinho é priorizado, não como descanso, mas como oportunidade de manter o hábito. A longo prazo, isso gera empobrecimento dos vínculos sociais, aumento da solidão e agravamento da angústia.

Há também impactos práticos:

  • Atrasos
  • Desatenção
  • Perda de produtividade
  • Até demissões relacionadas à queda de rendimento no trabalho

Em alguns casos, o uso compulsivo é descoberto em ambientes impróprios, gerando vergonha pública e consequências profissionais sérias.

Por fim, há uma consequência mais difícil de medir, mas comum no discurso clínico: a sensação de que o vício contaminou a forma como a pessoa enxerga o outro. O contato afetivo e sexual começa a ser mediado por expectativas irreais, desumanizadas. E isso fere, em silêncio, a capacidade de se conectar.

Como saber se estou viciado em pornografia?

Se você chegou até aqui porque acha que a pornográfia pode estar se tornando um vício para você, já quero começar dizendo uma coisa: só o fato de estar buscando informações já mostra que algo te incomoda.

Não precisa se sentir envergonhado ou envergonhada. Muita gente só consegue dar nome ao que sente quando se depara com perguntas que nunca teve coragem de fazer em voz alta.

Por isso, quero trazer alguns sinais que podem indicar que o uso da pornografia deixou de ser apenas um hábito e passou a ocupar um espaço que interfere no seu bem-estar, no seu corpo, nas suas relações ou na sua autoestima.

Sintomas comuns e critérios de avaliação

Você tenta parar e não consegue? Já se viu apagando o histórico do navegador com culpa, prometendo que seria a última vez? Percebe que a pornografia ocupa mais tempo do que gostaria, e que ela não oferece mais o mesmo prazer de antes?

Se você respondeu que sim, pode haver uma relação disfuncional com o consumo. E talvez seja hora de buscar uma ajuda especializada.

Outros critérios que usamos para avaliação clínica incluem:

  • Perda de controle: quando você assiste mesmo sem vontade real, mesmo sem desejo, apenas por impulso ou hábito.
  • Escalada de conteúdo: quando precisa de vídeos mais explícitos ou de maior duração para atingir o mesmo efeito.
  • Impacto no cotidiano: quando seu trabalho, seus estudos, seus relacionamentos ou seu sono começam a ser prejudicados por esse padrão.
  • Abstinência emocional: quando tenta parar e sente irritabilidade, ansiedade ou tristeza intensa, como se algo estivesse faltando.
  • Uso como anestesia: quando recorre à pornografia sempre que está entediado, ansioso, frustrado ou sozinho.
  • Culpa constante: quando o prazer vira desconforto logo depois, gerando vergonha e a sensação de “fracasso pessoal”.

É importante reforçar que você não precisa ter todos esses sintomas para procurar ajuda. Às vezes, um único sinal já basta para mostrar que o comportamento está te fazendo mal.

A função da avaliação psiquiátrica é justamente te ajudar a entender o que está acontecendo, sem rótulos apressados e com muito respeito pelo seu tempo e seu conforto.

7 sinais mais comuns do vício em pornografia

Existe tratamento para o vício em pornografia?

Sim, existe tratamento.

Ele começa com alguém te ouvindo, com o reconhecimento de que, por trás do comportamento compulsivo, existe uma pessoa que tentou dar conta de parar sozinho, mas que agora precisa de ferramentas, orientação e cuidado.

Opções de terapia: TCC, ACT e acompanhamento profissional

A base do tratamento está, quase sempre, na psicoterapia, especialmente nas abordagens que lidam com padrões de pensamento e comportamento.

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

A TCC é uma das abordagens com mais evidência na área de dependências comportamentais. Ela ajuda a:

  • Identificar os gatilhos emocionais e ambientais que levam ao consumo;
  • Entender o ciclo de reforço (estímulo → hábito → alívio → culpa → repetição);
  • Construir estratégias práticas de enfrentamento, como técnicas de distração, planejamento de rotina e mudança de pensamento automático;
  • Lidar com pensamentos como “não tenho controle”, “sou fraco”, “não consigo parar” — substituindo-os por ações que recuperam a autonomia.

Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)

A ACT é uma derivação da TCC com foco em aceitar os impulsos sem agir automaticamente. Ela trabalha com:

  • Atenção plena (mindfulness);
  • Identificação de valores pessoais;
  • Prática de tolerância ao desconforto, sem recorrer ao padrão compulsivo como fuga.

Essa abordagem é especialmente útil para lidar com craving, ansiedade e culpa, e para fortalecer o senso de direção mesmo em momentos difíceis.

Quando os medicamentos são indicados para tratar o vício em pornografia?

Não existe um medicamento específico para o vício em pornografia. Mas, em alguns casos, o uso de fármacos pode ser indicado como parte complementar do tratamento, especialmente quando:

  • Há quadros de depressão, ansiedade ou transtorno obsessivo-compulsivo associados;
  • O impulso sexual está intensificado por questões neuroquímicas;
  • Você sente que não consegue lidar com os sintomas de abstinência sozinho.

Os medicamentos mais usados incluem:

  • ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina): ajudam a reduzir obsessões e impulsos;
  • Estabilizadores de humor: úteis em quadros de impulsividade;
  • Antiandrogênicos: em casos raros e específicos, quando há risco associado ao comportamento compulsivo.

É importante lembrar que a medicação nunca substitui a psicoterapia. Ela ajuda a abrir espaço emocional e neuroquímico para que o processo terapêutico aconteça com mais estabilidade.

Grupos de apoio e estratégias complementares

Além da terapia individual e, se necessário, da medicação, muitos pacientes se beneficiam de estratégias que oferecem apoio contínuo e sensação de pertencimento.

Grupos como o Sex Addicts Anonymous (SAA) e Sexaholics Anonymous (SA) seguem o modelo dos 12 passos, com reuniões presenciais ou online. Esses espaços funcionam como pontos de apoio emocional, onde o paciente percebe que não está sozinho, e aprende com o caminho de outras pessoas.

Também existem ferramentas que podem ajudar:

  • Apps de bloqueio e accountability, como o Covenant Eyes (que envia relatórios de navegação a um parceiro de confiança) e o Canopy (que usa inteligência artificial para bloquear pornografia em tempo real, inclusive em redes sociais);
  • Diários de bordo, com registro de gatilhos e emoções;
  • Redes de responsabilidade, com amigos ou parceiros acompanhando o progresso.

Essas ferramentas ajudam a trazer o problema do terreno da “vontade” para o campo da ação, criando limites, metas visíveis e marcos de avanço.

Dificuldades comuns na jornada de quem tenta parar

Decidir parar é um passo importante, mas é só o começo. O processo de interromper o consumo compulsivo de pornografia costuma ser mais complexo do que muitos imaginam.

Sintomas de abstinência, recaídas, sensação de fracasso e vergonha são frequentes, e fazem parte da jornada de recuperação.

Recaídas, abstinência e a culpa que paralisa

É comum que, nas primeiras tentativas de parar, a pessoa se depare com uma sensação de urgência física e emocional. Chamamos isso de craving — um desejo intenso e difícil de ignorar. Quando o cérebro está acostumado a receber dopamina com frequência, ele reage à ausência com sintomas como:

  • Irritabilidade;
  • Insônia;
  • Inquietação;
  • Queda de energia;
  • Ansiedade e mau humor.

Esse desconforto faz parte do processo de regulação neuroquímica. Mas, para quem está vivendo, pode parecer que o sofrimento aumentou desde que parou, o que leva a recaídas. Depois da recaída, vem a culpa. E, muitas vezes, o pensamento de que “nada vai mudar”, “eu sou um fracasso”, “não adianta tentar”.

Esse ciclo é perigoso. Não pelas recaídas em si, que são comuns em qualquer processo de recuperação, mas pela carga de julgamento e desesperança que acompanha cada retorno ao hábito.

Por isso, é fundamental:

  • Tratar recaída como episódio, não como fim do processo;
  • Entender que a melhora acontece em espiral, com avanços e tropeços;
  • Usar cada recaída como aprendizado sobre gatilhos e fragilidades ainda não mapeadas.

O impacto da vergonha e do julgamento

Muita gente adia o pedido de ajuda porque sente vergonha do que está vivendo. E essa vergonha não vem só do comportamento em si, mas do medo do que os outros vão pensar se descobrirem.

Medo de ser visto como “fraco”, “pervertido”, “inadequado”. Medo de arruinar relacionamentos. Medo de não ser levado a sério pelo profissional.

A consequência disso é que o paciente tenta lidar sozinho. E quanto mais tempo carrega esse peso sem dividir com ninguém, mais difícil se torna quebrar o padrão.

Em alguns casos, a vergonha vem acompanhada de uma dúvida persistente do arrependimento. Mas vale lembrar: nós, profissionais de saúde mental, estamos preparados para acolher esse tipo de relato.

Adiar o cuidado por medo do julgamento só fortalece o isolamento. E o isolamento, nesse caso, é combustível para o ciclo da compulsão.

Se o vício em pornografia está te fazendo mal, não hesite em procurar ajuda

O vício em pornografia não começa do dia para a noite, e, na maioria das vezes, também não termina com uma decisão isolada. É um processo. Um ciclo que vai se repetindo, silenciosamente, até que a dor ou a vergonha tomam proporções difíceis de sustentar.

Se você chegou até aqui e sentiu que algumas descrições conversaram com a sua experiência, isso já é importante. Reconhecer o que incomoda é o primeiro passo para sair do modo automático e começar a cuidar do que, até agora, talvez tenha sido escondido até de você mesmo.

Procurar ajuda psiquiátrica é uma forma legítima de romper o isolamento, compreender o que está acontecendo com você com mais clareza e construir um caminho para um futuro melhor, contanto com orientação profissional, ferramentas concretas e, acima de tudo, escuta ética.

Se você sente que é o momento de conversar sobre seu vício com alguém que vai te ouvir com respeito e sem julgamentos, estou aqui para acolher, avaliar e te ajudar a entender os próximos passos.

Agende sua consulta e vamos conversar com mais calma.

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Dra. Priscila Ruwer

Dra. Priscila Ruwer

Médica psiquiatra formada pela Universidade Federal de Goiás. Atende tanto presencialmente no centro de Curitiba quanto online, Dra. Priscila é dedicada a oferecer um tratamento completo e individualizado para cada paciente, indo além do uso de medicação. Sua prática é fundamentada no respeito e na escuta ativa, com uma verdadeira preocupação em entender profundamente as necessidades de cada pessoa. Ela acredita que a confiança e a assertividade são essenciais para o sucesso no tratamento, criando um ambiente acolhedor onde você pode se sentir compreendido e cuidado.

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