Sofrendo com o burnout no trabalho? Tudo que você precisa saber

Como psiquiatra, tenho acompanhado de perto a jornada de inúmeras pessoas que, em algum momento, se deparam com o desafio do burnout no trabalho. Este é um tema que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais relevante em nossa sociedade, afetando profissionais de todas as áreas. Por aqui, atendo desde aqueles que dedicam suas vidas …

Ilustração de homem estressado representando burnout no trabalho, cercado por calendário, e-mails acumulados e bateria fraca.

Como psiquiatra, tenho acompanhado de perto a jornada de inúmeras pessoas que, em algum momento, se deparam com o desafio do burnout no trabalho. Este é um tema que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais relevante em nossa sociedade, afetando profissionais de todas as áreas.

Por aqui, atendo desde aqueles que dedicam suas vidas à saúde, na linha de frente, até colaboradores essenciais em fábricas de mangueiras industriais, que mantêm a engrenagem do nosso dia a dia funcionando, em um cenário que se repete cada vez mais.

Se você está sentindo um cansaço que o descanso regular já não resolve, uma irritabilidade persistente ou uma sensação de que as demandas profissionais ultrapassam constantemente sua capacidade de dar conta, talvez seja hora de encarar mais a fundo seus sentimentos.

Sumário

O que é Síndrome de Burnout (CID-11)?

Em janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), trouxe uma clareza muito importante sobre esse tema. Ela define o burnout como:

“Síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso” 

Isso significa que o burnout é uma resposta ao estresse prolongado e mal administrado que vem especificamente do seu ambiente profissional. Essa delimitação é crucial, pois a OMS enfatiza que o burnout “refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida”.

Isso significa que, se você sente esse tipo de esgotamento, ele tem uma forte conexão com o seu trabalho.

Ele se manifesta por meio de uma tríade de sensações interligadas:

  1. Sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia: É aquela sensação profunda de estar sobrecarregado, como se suas energias emocionais e físicas estivessem completamente drenadas. Não é um cansaço que um bom fim de semana resolve; ele persiste, tornando-se crônico.
  2. Aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo: Quase como um mecanismo de defesa contra essa exaustão, você pode começar a se desligar psicologicamente do seu trabalho. Isso se traduz em indiferença, irritabilidade e até uma atitude cínica em relação às tarefas, aos colegas e à própria empresa.
  3. Redução da eficácia profissional: Consequentemente, você percebe um declínio em sua capacidade e desempenho. Começa a duvidar de sua própria competência, sente-se menos realizado e isso cria uma espiral de desmotivação e queda na produtividade.

Burnout x estresse x depressão: quais sinais ajudam a distinguir?

Muitas vezes, as pessoas confundem burnout com estresse ou até mesmo depressão, pois alguns sintomas podem ser parecidos. Contudo, é vital saber diferenciá-los para um diagnóstico e tratamento corretos.

O estresse, por exemplo, é uma resposta geral do corpo a qualquer tipo de demanda ou ameaça, seja ela profissional ou pessoal. Podemos estar hiperengajados com as demandas, sentindo urgência e um excesso de energia.

O burnout, por outro lado, é um estágio avançado desse estresse, especificamente ligado ao trabalho, e é marcado pelo desengajamento e pela exaustão.

Já a depressão é um transtorno de humor mais abrangente, que afeta negativamente todos os aspectos da sua vida, seu prazer nas atividades em geral, seu humor, seus sentimentos de valor.

Embora a exaustão seja comum tanto no burnout quanto na depressão, no burnout, os sentimentos negativos como cinismo e ineficácia estão primariamente conectados ao trabalho.

É importante mencionar, no entanto, que um quadro de burnout não tratado pode, sim, ser um fator de risco para o desenvolvimento de uma depressão clínica.

O desafio diagnóstico entre burnout e depressão representa um risco importante para as empresas. Se o problema for interpretado apenas como uma condição de saúde individual, quando na verdade as raízes são organizacionais, a empresa pode falhar em corrigir as causas no ambiente de trabalho.

Isso perpetua o ciclo de adoecimento para você e para outros colegas.

Quais são os sintomas de excesso de trabalho e os sinais de esgotamento profissional?

Depois de entender a definição formal, o passo seguinte é reconhecer os sintomas de excesso de trabalho e as manifestações do esgotamento no seu dia a dia. Muitas vezes, esses sinais aparecem de forma sutil e se intensificam gradualmente, tornando-se parte da rotina sem que você perceba o quão prejudiciais eles são. É como seu corpo e sua mente enviando alertas de que algo não vai bem.

Sinais comportamentais e cognitivos que atrapalham o trabalho

Sabe aquela sensação de que tarefas simples se tornaram um peso, ou que a sua capacidade de pensar claramente está comprometida? Esses são indicativos importantes. Você pode notar:

  • Dificuldade de concentração e tomada de decisão: Fica mais difícil focar nas tarefas, e pequenas escolhas no trabalho parecem gigantescas. A mente parece mais lenta ou dispersa.
  • Irritabilidade e impaciência: Você se pega reagindo de forma mais brusca a situações que antes não o afetariam. Pequenos contratempos geram um desânimo ou raiva desproporcionais, seja com colegas, clientes ou até mesmo em casa.
  • Problemas de memória: Esquece detalhes importantes, prazos ou compromissos, mesmo com anotações.
  • Redução da criatividade e inovação: Aquele fluxo de ideias que você tinha antes parece ter sumido, e a capacidade de encontrar soluções se torna um esforço hercúleo.
  • Desengajamento e cinismo: Você passa a ver o trabalho com mais negatividade, perde o entusiasmo e pode até mesmo desenvolver uma atitude cínica em relação às suas responsabilidades.

Esses sinais podem atrapalhar significativamente não apenas a sua performance, mas também suas relações interpessoais no ambiente profissional.

Sinais físicos de alerta

O corpo fala, e no contexto de excesso de trabalho, ele fala ainda mais alto. O estresse crônico que caracteriza o burnout desencadeia uma série de reações fisiológicas que se manifestam fisicamente:

  • Distúrbios do sono e fadiga persistente: Você deita, mas a mente não desliga. Acorda cansado, mesmo após uma noite de sono, e sente uma exaustão que não melhora com o descanso do fim de semana.
  • Dores de cabeça frequentes e tensão muscular: Cefaleias constantes, dores na nuca, ombros e costas são comuns, indicando uma sobrecarga física e mental.
  • Problemas gastrointestinais: Dores de estômago, má digestão ou alterações no funcionamento do intestino podem surgir.
  • Imunidade reduzida: Você percebe que está adoecendo com mais frequência, pegando gripes e resfriados mais facilmente.
  • Palpitações e outros sintomas somáticos: Em alguns casos, podem surgir sintomas como palpitações, tonturas ou outros desconfortos físicos difíceis de explicar.

Essas manifestações físicas são alarmes que não devem ser ignorados.

Quando os sinais exigem avaliação profissional?

A grande questão é: quando esses sinais deixam de ser um “mau dia” ou um “período estressante” e se tornam algo que precisa de atenção especializada? Recomendo que você procure uma avaliação profissional se:

  • Esses sintomas se tornaram persistentes, ou seja, estão presentes na maior parte dos seus dias e semanas.
  • Eles começaram a interferir significativamente na sua qualidade de vida, no seu desempenho no trabalho, nas suas relações pessoais ou na sua capacidade de desfrutar de momentos de lazer.
  • Você tentou estratégias de autocuidado (descansar, praticar hobbies) e não sentiu melhora.
  • Seus familiares ou amigos começaram a notar mudanças preocupantes em seu comportamento ou estado de humor.

Não hesite em buscar ajuda médica ou psiquiátrica. Cuidar da sua saúde mental é tão importante quanto cuidar da sua saúde física.

mulher exausta em frente ao computador, demonstrando burnout no trabalho.

Quais são as causas do burnout no trabalho?

Você já deve ter percebido que o burnout não é simplesmente cansaço. Ele tem raízes mais profundas, e a maioria dessas raízes não está em você, mas sim no ambiente de trabalho. O esgotamento profissional é, em sua essência, um problema do sistema, não uma falha individual.

Existem seis áreas principais de desajuste entre você e o seu trabalho que podem levar a esse esgotamento. São elas:

Sobrecarga e metas irrealistas: quando o volume de trabalho vira risco

Se você se sente constantemente soterrado por um volume excessivo de tarefas, com prazos que parecem impossíveis de cumprir e uma pressão que nunca cessa, seu corpo e mente estão sob ataque.

Essa sobrecarga crônica exaure seus recursos físicos e mentais, fazendo com que você se sinta constantemente “correndo atrás” sem nunca alcançar. Quando a exigência é constante e irrealista, o trabalho deixa de ser um desafio e se torna um fator de adoecimento.

Autonomia, justiça e reconhecimento: os três amortecedores que faltam

Imagine trabalhar duro, dedicar-se, mas sentir que suas opiniões não são ouvidas, que você não tem voz nas decisões que afetam seu próprio trabalho, ou que não há flexibilidade para realizar suas tarefas do seu jeito.

Essa falta de controle e autonomia gera sentimentos de impotência e ineficácia.

Somado a isso, vem a recompensa insuficiente. Não se trata apenas de dinheiro, mas também da falta de reconhecimento – seja ele financeiro, social (um elogio, um agradecimento) ou institucional (uma promoção justa).

A ausência de um “muito obrigado” ou de um valor que corresponda ao seu esforço mina a motivação e faz você se sentir desvalorizado.

Por fim, a ausência de justiça. A percepção de que a distribuição de tarefas é injusta, que a remuneração não é equitativa, que as promoções não seguem critérios claros ou que as políticas internas são aplicadas de forma parcial, tudo isso é emocionalmente desgastante. Gera cinismo e desconfiança, corroendo a sua fé no ambiente de trabalho.

Comunidade e valores: pertencimento e coerência de prática

Trabalhar em um ambiente onde falta apoio social, onde os conflitos são constantes, o isolamento é comum ou você simplesmente não se conecta com colegas e gestores, leva ao que chamamos de colapso da comunidade.

Somos seres sociais; a falta de um senso de pertencimento e apoio pode ser tão prejudicial quanto a sobrecarga.

Outro ponto crucial é o conflito de valores. Se os valores da organização – o que ela prega e o que ela pratica – estão em desacordo com seus próprios princípios pessoais, você se verá forçado a agir de uma maneira que não ressoa com quem você é.

Essa incongruência interna é uma fonte constante de estresse e esgotamento.

Liderança como fator de risco ou proteção (o que gestores precisam fazer diferente)

O papel da liderança é absolutamente central em tudo isso. Pense nos seus gestores. Eles são, muitas vezes, a primeira linha de contato entre você e a organização. Uma pesquisa da Gallup aponta que a falta de apoio do gestor e uma comunicação pouco clara estão entre os cinco principais fatores de risco para o burnout.

Da mesma forma, a Deloitte identifica a falta de apoio ou reconhecimento da liderança como um impulsionador central do esgotamento.

Isso significa que um gestor despreparado pode criar um ambiente propício ao burnout, mesmo que a empresa ofereça alguns benefícios.

Não basta ter “frutas no escritório” ou “aplicativos de meditação” se as práticas de trabalho e a gestão estiverem disfuncionais. A liderança precisa ser capacitada para gerenciar equipes de forma humanizada, reconhecer sinais de estresse e promover um ambiente de apoio genuíno.

A prevenção eficaz passa, e muito, por como a liderança é exercida.

Qual é o tamanho do problema? Brasil e mundo em números recentes (2023–2024)

O burnout no trabalho é uma crise global e nacional, com números que nos chamam a atenção para a urgência do tema. A quantificação do problema revela uma epidemia silenciosa, com custos tangíveis para a saúde pública e a economia.

Brasil em foco: prevalência, afastamentos e a “lacuna diagnóstica”

O Brasil, infelizmente, ocupa uma posição preocupante nesse cenário. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) indicam que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout, o que nos coloca em segundo lugar no ranking mundial, atrás apenas do Japão.

Os números de afastamentos concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) confirmam essa escalada:

  • Em 2023, foram registrados 421 benefícios por incapacidade diretamente relacionados ao burnout. Embora pareça um número pequeno em comparação com o total de trabalhadores, ele representa um aumento de 136% em relação a 2019 e um crescimento exponencial de mais de 1.000% se olharmos para 2014.
  • Se ampliarmos o olhar para os afastamentos gerais por saúde mental e comportamental, os dados são ainda mais impressionantes: em 2023, foram 288 mil trabalhadores afastados. Esse número disparou para mais de 470 mil em 2024, um aumento de 68%.

Essa enorme diferença entre os afastamentos específicos por burnout e os gerais por saúde mental sugere o que chamamos de “lacuna diagnóstica”. É provável que muitos casos de burnout sejam diagnosticados como ansiedade ou depressão, seja pela dificuldade em provar a ligação direta com o trabalho, seja pelo estigma ainda associado à doença.

Isso significa que a verdadeira escala do problema pode estar subnotificada, mascarada dentro de estatísticas mais amplas.

Tendências globais e setores de maior pressão

O fenômeno do burnout não é exclusivo do Brasil, claro. É uma crise mundial.

  • O relatório “State of the Global Workplace” da Gallup (2024) revela que 41% dos trabalhadores em todo o mundo relatam sentir “muito estresse” diariamente, com esse índice subindo para 49% nos EUA e Canadá.
  • Pesquisas da Deloitte de 2024 mostraram que 77% dos profissionais nos EUA já vivenciaram burnout em seu emprego atual, um número que chega a 84% entre os millennials.
  • Certas áreas são mais vulneráveis. O setor de tecnologia, por exemplo, com sua cultura “always-on” (sempre conectado) e pressão constante por inovação, apresenta alta incidência. Inclusive, um estudo de 2023-2024 mostrou que a incidência de burnout entre líderes de startups (38,46%) é mais que o dobro da encontrada em líderes de grandes empresas de tecnologia (15%).

Quanto custa não agir: produtividade, rotatividade e ROI de intervenção

O burnout não é apenas uma crise de bem-estar; ele tem um impacto financeiro significativo. Ele é uma “sangria econômica”.

  • A OMS estima que a perda de produtividade global decorrente de depressão e ansiedade (condições intimamente ligadas ao burnout) custe US$ 1 trilhão por ano.
  • A Gallup, por sua vez, calcula um custo mais direto de US$ 322 bilhões globalmente apenas com rotatividade e perda de produtividade atribuídas ao burnout.
  • Para as empresas, os custos são variados: ações trabalhistas relacionadas ao burnout custaram R$ 2,48 bilhões entre 2014 e 2022. Os afastamentos por saúde mental em 2024, que superam os 470 mil, representam um custo estimado de R$ 3 bilhões apenas em benefícios pagos pelo INSS, sem contar os custos indiretos com substituição de pessoal e perda de conhecimento institucional.
  • Estudos internacionais indicam que o custo do burnout pode variar entre US$ 4.000 e US$ 21.000 por funcionário anualmente.

E é com todos esses dados que reforço aqui: investir em saúde mental compensa. A OMS calcula que para cada US$ 1 investido no tratamento de transtornos mentais comuns, há um retorno de US$ 4 em melhoria da saúde e produtividade. Mas, para isso, as empresas precisam agir. E rápido.

análise de gráficos e relatórios ligados ao burnout no trabalho

Quais as consequências do burnout no trabalho para a pessoa e para a empresa?

O burnout não é um evento isolado; ele é um processo corrosivo que se propaga do seu bem-estar individual para a dinâmica da sua equipe e, por fim, para toda a organização.

Efeitos na saúde física e mental (risco e segurança ocupacional)

Para você, o custo do esgotamento crônico é altíssimo, manifestando-se tanto na sua saúde mental quanto na física. Na esfera psicológica, o burnout é um terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos mais graves.

Você pode experimentar ansiedade generalizada, evoluir para uma depressão clínica, conviver com uma irritabilidade crônica, sentir um fracasso constante e, nos casos mais extremos e graves, ter pensamentos de ideação suicida.

No aspecto físico, o estresse crônico que caracteriza o burnout desencadeia uma série de reações prejudiciais ao seu organismo:

  • Problemas cardiovasculares: como hipertensão arterial, palpitações e um aumento do risco de doenças cardíacas.
  • Distúrbios gastrointestinais: dores de estômago, problemas intestinais e úlceras podem surgir.
  • Sintomas somáticos: dores de cabeça frequentes, dores musculares e uma tensão constante, que não alivia mesmo com descanso.
  • Distúrbios do sono e fadiga: insônia persistente ou uma sonolência excessiva, acompanhada de um cansaço que não se resolve com o repouso.
  • Comprometimento imunológico: seu sistema de defesa fica enfraquecido, tornando-o mais suscetível a infecções e outras doenças.

Essas graves consequências elevam o burnout de uma questão de “saúde mental” para um risco abrangente de saúde e segurança ocupacional. Quando as condições de trabalho levam a doenças como hipertensão e problemas cardíacos, as empresas não apenas prejudicam seus funcionários, mas também se expõem a responsabilidades legais e financeiras significativas.

Desempenho, decisões e criatividade: por que a entrega cai

O sofrimento individual rapidamente se traduz em disfunção na organização. O burnout mina diretamente a eficiência e a qualidade do trabalho. Você notará um declínio acentuado na sua produtividade, a qualidade do seu trabalho pode cair, perde-se a criatividade e a capacidade de inovação, e a dificuldade de concentração afeta a tomada de decisões.

Suas entregas, antes consistentes, podem começar a falhar, gerando mais estresse e um ciclo vicioso.

Além da queda na produtividade, o esgotamento aumenta as taxas de absenteísmo (faltas ao trabalho) e o presenteísmo – quando você está fisicamente no trabalho, mas mentalmente ausente, desengajado e com baixo rendimento.

Cultura em queda: cinismo, conflitos e contágio do esgotamento

Em um nível mais amplo, o burnout é um dos principais motores da rotatividade de funcionários (turnover). Pessoas esgotadas são muito mais propensas a deixar a empresa, gerando altos custos com recrutamento, seleção, treinamento e, o mais importante, a perda de conhecimento institucional e moral da equipe.

Porém, talvez a consequência mais insidiosa seja a degradação da cultura organizacional. Uma força de trabalho sofrendo de burnout pode envenenar o ambiente de trabalho. O cinismo, a negatividade, a comunicação deficiente e o aumento de conflitos interpessoais tornam-se a norma, criando um ciclo vicioso que alimenta ainda mais o esgotamento.

Em vez de colaboração, você pode encontrar mais isolamento e desconfiança.

É importante compreender que a relação entre o burnout individual e a saúde organizacional não é linear. É um ciclo de retroalimentação negativa: um ambiente de trabalho mal gerenciado causa burnout, e funcionários com burnout, por sua vez, degradam o desempenho e a cultura da organização.

Essa deterioração aumenta a carga e o estresse sobre os funcionários restantes, que se tornam mais suscetíveis, perpetuando e acelerando o declínio.

O que fazer para evitar o burnout no trabalho?

Combater o burnout de forma eficaz exige mais do que soluções rápidas; demanda uma abordagem sistêmica e contínua. Pense nisso como a construção de uma defesa robusta e sustentável contra o esgotamento profissional.

Essa defesa se baseia em três níveis de intervenção que, quando aplicados em conjunto, criam um escudo. São eles:

Prevenção primária: ajustar o trabalho (carga, recursos, autonomia, alinhamento de valores)

Este é o nível mais importante e com maior impacto, pois age na raiz do problema, eliminando ou reduzindo os estressores antes que eles causem danos. As organizações têm um papel fundamental aqui, e você pode, de certa forma, influenciar ou buscar ambientes que priorizem isso.

  • Design do trabalho e gestão da carga de trabalho: Assegure-se de que a carga de trabalho seja gerenciável e que as expectativas para sua função sejam claras. É vital que você tenha os recursos necessários e a autonomia para realizar seu trabalho com eficácia. Não hesite em conversar com sua liderança se perceber que está sobrecarregado.
  • Cultura de apoio e segurança psicológica: Busque ambientes que ativamente promovam a segurança psicológica, onde você se sinta à vontade para expressar suas ideias e preocupações sem medo de julgamento. A justiça, o reconhecimento e o apoio social são pilares para um ambiente saudável. Canais de comunicação abertos e um senso de comunidade e pertencimento são essenciais para isso.
  • Capacitação da liderança: Esse é um ponto-chave. Invista em empresas que valorizem o treinamento de seus gestores para que eles se tornem a primeira linha de defesa contra o burnout. Líderes capacitados reconhecem sinais precoces de estresse, comunicam-se com empatia, oferecem suporte e gerenciam suas equipes de forma humanizada e sustentável. Lembre-se: a liderança é um catalisador, para o bem ou para o mal, do bem-estar da equipe.

Prevenção secundária: identificar cedo e fortalecer recursos pessoais (sem culpabilizar)

Neste nível, o foco é em você e em como lidar com o estresse, identificando os primeiros sinais de esgotamento antes que eles se tornem crônicos. 

  • Treinamento em gestão de estresse e resiliência: Procure recursos educacionais sobre temas como gerenciamento de tempo, resolução de conflitos, mindfulness e inteligência emocional. Essas habilidades podem ajudar você a lidar melhor com as pressões do dia a dia.
  • Programas de saúde e bem-estar: Incentive e utilize recursos que fortaleçam sua resiliência física e mental. Pense em atividades físicas, orientação nutricional e educação sobre a higiene do sono. Seu corpo e mente precisam de cuidado constante.
  • Monitoramento e triagem: Algumas empresas oferecem pesquisas de clima ou avaliações de bem-estar. Participe delas, pois elas podem ajudar a identificar áreas de risco e permitir intervenções precoces, tanto para você quanto para sua equipe.

Prevenção terciária: cuidar de quem já adoeceu e garantir retorno sustentável

Quando o burnout já se instalou, este nível entra em ação, focado no tratamento e recuperação.

  • Acesso a cuidados de saúde mental: Tenha acesso fácil, confidencial e de alta qualidade a profissionais de saúde mental. Seja por meio de Programas de Apoio ao Empregado (PAE) da sua empresa, planos de saúde com boa cobertura ou plataformas de terapia online. Não adie a busca por ajuda.
  • Políticas de licença e flexibilidade: As empresas devem oferecer políticas de licença médica claras e de apoio para questões de saúde mental, além de opções de trabalho flexível (como horários reduzidos ou mudança temporária de função) para facilitar sua recuperação.
  • Programas de retorno ao trabalho: Se você precisar se afastar, é essencial que haja um processo estruturado e gradual para o seu retorno. Isso evita a reexposição imediata aos mesmos estressores e garante uma transição sustentável, permitindo que você se recupere completamente.

Reconhecimento como aliado poderoso (sem “wellness washing”): rituais, boas-vindas e reforço positivo no dia a dia

É fundamental que as empresas entendam que investir no bem-estar vai além de oferecer benefícios superficiais, o que chamamos de “wellness washing”. 

A verdadeira diferença está em criar um ambiente onde você se sinta valorizado e reconhecido. Isso se traduz em rituais de boas-vindas significativos, celebração de marcos e um reforço positivo constante no dia a dia.

Programas de reconhecimento que valorizam seu esforço e dedicação — como brindes ou kits costumizáveis de mochilas personalizadas para um onboarding, ou celebração de metas e conquistas — podem contribuir imensamente para sua motivação e senso de pertencimento.

São pequenas ações que, somadas, atuam como importantes fatores protetores contra o esgotamento, mostrando que a empresa realmente se importa e enxerga o valor do seu trabalho.

Direitos, laudo e comunicação sobre o burnout no trabalho: o que você precisa saber

Quando você se encontra em uma situação de esgotamento profissional, surgem muitas dúvidas sobre como proceder no ambiente de trabalho. É um momento delicado, e ter informações sobre seus direitos e as melhores formas de comunicação pode fazer toda a diferença.

Quais os direitos do trabalhador com a Síndrome de Burnout?

Se você está vivenciando o burnout, saiba que existem direitos que visam proteger a sua saúde e garantir o seu cuidado.

Se o seu quadro de burnout o incapacita para o trabalho, você tem direito ao afastamento. Esse afastamento pode ser coberto pelo INSS, que concede auxílio-doença, agora chamado de benefício por incapacidade temporária. Para isso, é crucial ter um laudo médico que ateste a sua condição e a necessidade do afastamento.

Em casos em que o burnout é claramente reconhecido como uma doença ocupacional, ou seja, comprovadamente causado pelas condições de trabalho, a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pode ser emitida.

A CAT é um documento importante que formaliza a doença como resultado do trabalho, o que pode garantir direitos como estabilidade no emprego após o retorno e indenizações, se aplicável.

É importante que a empresa ofereça suporte e que você se sinta seguro para buscar tratamento. A confidencialidade sobre seu diagnóstico deve ser respeitada, e você não pode sofrer discriminação por estar enfrentando um problema de saúde mental. 

Procure o setor de RH ou a área responsável por saúde e segurança no trabalho para entender como a sua empresa lida com essas situações. Lembre-se, o objetivo é garantir sua recuperação e um retorno ao trabalho saudável, se e quando for o momento.

Existe laudo para burnout no trabalho?

Sim, existe um laudo para burnout. Quem avalia e emite esse laudo é um profissional de saúde qualificado, como um psiquiatra ou médico do trabalho, após uma avaliação clínica completa.

O documento clínico é um atestado médico detalhado que descreve o seu quadro de saúde, a necessidade de afastamento (se for o caso) e, idealmente, a relação da sua condição com o ambiente de trabalho. Ele deve seguir as normativas médicas e trabalhistas, sendo essencial para comprovar a sua situação junto à empresa e ao INSS.

Lembre-se que o burnout, como já conversamos, é um “fenômeno ocupacional” reconhecido pela CID-11. Isso reforça a importância de um laudo que não apenas diagnostique seus sintomas, mas também contextualize sua origem no ambiente de trabalho. Essa distinção é crucial para o processo de tratamento e para quaisquer trâmites administrativos que se façam necessários.

Como avisar a empresa que estou com burnout?

A comunicação com a empresa pode ser um momento delicado, mas é fundamental para que você receba o apoio necessário. Sugiro um passo a passo para que você possa fazer isso de forma segura e assertiva:

  1. Obtenha a documentação clínica: Antes de tudo, tenha em mãos seu atestado ou laudo médico que comprove o diagnóstico de burnout e a necessidade de afastamento, se houver.
  2. Escolha a pessoa certa para conversar: Geralmente, o primeiro contato deve ser com seu gestor direto e/ou o setor de Recursos Humanos (RH) ou Departamento Pessoal. Avalie quem na empresa você confia mais e quem tem o poder de te apoiar nesse processo.
  3. Comunique de forma respeitosa e assertiva: Você pode iniciar a conversa dizendo algo como: “Gostaria de conversar sobre minha saúde e a necessidade de cuidar de mim neste momento. Tenho um diagnóstico de burnout e meu médico recomendou um afastamento/tratamento.”
  4. Apresente a documentação: Entregue a cópia do seu atestado ou laudo médico.
  5. Acorde os ajustes necessários: Se o afastamento não for imediato, converse sobre possíveis ajustes temporários na sua carga de trabalho ou funções para que você possa iniciar o tratamento sem agravar o quadro.
  6. Utilize canais formais: Após a conversa inicial, formalize a comunicação por e-mail, registrando os pontos principais, o período de afastamento (se houver) e os próximos passos. Isso cria um registro importante.

Lembre-se: você não precisa entrar em detalhes íntimos sobre sua saúde. Foque na sua condição de saúde e na recomendação médica. É um direito seu buscar tratamento, e a empresa tem o dever de te apoiar nesse processo.

Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental: por que interessa ao trabalhador e ao RH

Você sabia que existe uma lei recente no Brasil que incentiva as empresas a cuidarem da saúde mental de seus funcionários?

A Lei 14.831/2024, sancionada em março de 2024, criou o “Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental”.

Este certificado é concedido a empresas que realmente implementam políticas eficazes de saúde mental. Isso inclui oferecer apoio psicológico, treinar suas lideranças para que saibam lidar com a questão, combater ativamente o assédio e promover o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Para você, trabalhador, essa lei é importante porque ela pressiona as empresas a adotarem práticas mais humanas e a investirem no seu bem-estar. Para o RH, o certificado não é apenas um selo de reconhecimento, mas uma forma de se posicionar como um empregador que valoriza e cuida de seu capital humano, atraindo e retendo talentos.

É um reconhecimento de que saúde mental não é um “extra” no ambiente de trabalho.

cérebro entre raio e lâmpada, representando os efeitos do burnout no trabalho.

Não deixe o burnout no trabalho minar sua saúde mental: busque o cuidado que você merece

O burnout no trabalho não é uma falha sua. É uma síndrome séria, reconhecida pela OMS, que nasce de um desequilíbrio entre as demandas do trabalho e a sua capacidade de lidar com elas de forma saudável.

Lembre-se dos seus direitos, da importância de um laudo médico quando necessário e de como comunicar-se assertivamente com a sua empresa. Essas são ferramentas poderosas que visam proteger você e o seu processo de recuperação.

Acredito genuinamente que procurar apoio não é sinal de fraqueza, mas sim a demonstração mais clara de que você se importa consigo mesmo e está disposto a priorizar seu bem-estar.

Permita-se a gentileza de olhar para dentro, reconhecer seus limites e buscar o apoio necessário. Se as suas energias estão exauridas, se a alegria se esvaiu e o trabalho se tornou um peso insuportável, não hesite.

Agende uma consulta e vamos conversar. Atendo como Psiquiatra em Curitiba e também faço consultas online. Inicie esse caminho de cuidado. Você merece viver e trabalhar com plenitude, respeitando sua própria saúde e limites. 

Cuide-se com a mesma dedicação que você cuida do seu trabalho.

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Dra. Priscila Ruwer

Dra. Priscila Ruwer

Sou médica psiquiatra em Curitiba, formada pela Universidade Federal de Goiás, com residência médica em Psiquiatria e especialização em Atenção Básica pela UFSC. Penso na psiquiatria não só como um conjunto de técnicas da medicina, mas como uma prática centrada na escuta ativa e cuidado individualizado. Atendo em consultório no centro de Curitiba e também realizo consultas online, acompanhando casos de ansiedade, depressão, TDAH, transtornos de humor e outras condições que precisam de atenção especializada. Meu objetivo é construir, junto com você, caminhos para recuperar sua qualidade de vida.

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